terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Inês Mariana

Aquela menina chegava com perfume de mulher e atraía a atenção de todos com a sua singularidade. Uma irreverência que preenchia espaço. Dos seu olhos escuros e brilhantes reluzia uma inquietação invulgar. O seu olhar explorava tudo para encontrar sentido em cada  pormenor. 
Parecia assustada, por vezes denunciava uma revolta encoberta. A sua determinação contrastava com o desconforto de se sentir num espaço que ainda não reconhecia como seu.

O seu longo cabelo negro sobressaía no colorido das roupas que usava. Tinha um corpo de mulher, bem desenhado e um rosto longo, expressivo, com as marcas dos seus 15 anos. Hoje faz 33, está mais mulher no corpo e no rosto. Mantém a beleza e a sua magia infantil, saudável, contagiante. O mesmo contágio que se sente na sua pequena filha, também ela com um olhar inquieto de quem quer desafiar o impossível.

Recordarei sempre o momento em que a vi entrar pela porta (da qual esquecia a chave inúmeras vezes). Cruzamos um olhar e um sorriso envergonhados no corredor comprido e estreito da casa. Casa que ficou sempre em nós, onde aprendemos e partilhámos tantas coisas, onde desafiámos os limites da adolescência e vencemos medos.
Conhecer aquela menina, sendo eu menina também, transformou-me. Fez-me ser mais, mais pessoa, mais sensível, mais humana. Ela era obstinada, tinha um sonho, o sonho de ser atriz. O pai opunha-se, muitas pessoas aconselhavam-na a seguir outro rumo. Eu sempre soube que ela não devia desistir e sempre soube que iria vencer. E venceu! 
A última peça que vi com ela fez-me chorar por muitos motivos. Um deles foi por ver a mulher lutadora, corajosa que brotou daquela menina obstinada. Da sua interpretação emergia uma força que fez brotar lágrimas em quase todo o público. A peça era "Breviário Gota d'Água" no cine-teatro Constantino Nery. Ela era a Joana (a Medeia intemporal). A Joana tinha muito de Inês ou vice-versa. Num dos diálogos de Jazão com Joana eu vi a minha Inês e revi-me também. Para nós nunca existiram pausas, nada é lento, vivemos sempre no limite, e todos os segundos são eternos.  

Recordo as nossas saídas à noite, em pijama, até à Praça de Goa. Saímos muitas vezes porque simplesmente nos apetecia sentir o vento da noite. Dividíamos uns auriculares de um leitor de cassetes para ouvirmos poemas de Eugénio de Andrade, outras vezes Cat Stevens ou Beatles. Ela cantava tantas vezes "It's been a hard day's night", uma vez ensaiou a tarde inteira esta música no meu quarto. 
Dormimos muitas vezes abraçadas, caíamos exaustas nas almofadas depois de passarmos horas a confidenciar segredos e expetativas ou simplesmente a rirmos incontrolavelmente das imensas histórias que ela contava da sua avó.

Já passaram 15 anos desde que deixámos de partilhar a mesma casa, a mesma escola, a mesma cidade. Mas estamos na vida uma da outra para sempre! Porque o Amor entre Amigas nunca se quebra ou apaga.


domingo, 14 de fevereiro de 2016

"Por via das dúvidas saber o que achar"

Ao rever um filme antigo relembrei como a escolha do nosso percurso pode ser sempre entre o mais fácil ou o mais difícil. Não acredito em escolhas certas ou erradas. A definição de certo/errado está acente em conceitos individuais ou de generalização, o chamado senso comum. Considerar que algo é absolutamente certo ou absolutamente errado denota presunção. Cada um de nós toma as suas opções mediante a sua condição e as suas vivências. 
Creio que todos os seres humanos procuram a felicidade ainda que por percursos diferentes.
É nessa busca que me perco, encontro e reencontro todos os dias. É uma procura árdua porque é feita de escolhas que me levam, na maioria das vezes, pelo percurso mais difícil.  
Regularmente ziguezagueio em círculos porque as generalizações, os sensos e os lugares comuns me fazem duvidar de mim, da minha perspectiva, das minhas escolhas exaustivamente analisadas. 
Não tenho paciência para frases feitas como "é preciso saber viver" e tenho dificuldade em aceitar pragmatismos. Para mim isto significaria deixar de ser quem sou. Se o fizer, num segundo que seja, estarei a abdicar do meu rumo à felicidade. Cada instante é indispensável porque não sabemos se o instante seguinte virá, por isso não abdico da minha identidade em nenhuma situação de dúvida ou confronto. Por vezes olho à minha volta e sinto uma solidão imensa na multidão. O meu caminho não é pautado pela mesma linguagem da sociedade. O mais difícil nestes momentos é aceitar-me, perceber que escolhi o caminho árduo. No entanto, são justamente estes momentos que fomentam a minha determinação, a minha força. Não temo o sofrimento, temo a anulação. Saber sofrer é essencial para reconhecer a felicidade.
Não consigo faltar à verdade, à verdade que é minha. Quando ma rejeitam ou me aconselham a ser "menos": menos lutadora, menos sonhadora, menos reivindicativa é porque não respeitam a minha essência. Não sei se aqueles que sabem fazer "as cedências necessárias" serão felizes mas aceito a sua escolha. Eu começo a ser feliz comigo própria porque percebo que sempre exigi demasiado de mim em detrimento dos outros. Finalmente reconheço que escolho sempre o meu roteiro com consciência, faço o balanço entre a emoção e a razão (e estas só a mim pertencem). Mesmo que, por vezes, me sinta a caminhar no deserto encontro um oásis em cada abraço de um Amigo/Camarada, daqueles que entraram no mais íntimo da minha existência porque caminham igualmente muitas vezes no deserto.

Teoria da Dor Relativa

  Pensei a dor como relativa S omada ou subtraída A aumentar ou diminuir Os valores inerciais iniciais. Ouvi falar de uma constante. Certa q...